POEMAS DOCUMENTAIS
Autora Hanna Komar
Tradução: Lia Gajdušek
VANYA
a praticar o estado meditativo no meio da batalha
os meses das notícias bielorrussas
porque me imagino um mestre tão zen
vacilei
entre a vergonha, a fé no futuro e o cansaço
constantemente ansiosa
os meses das notícias bielorrussas
pessoas presas por meias!
tive uma semana para fazer as malas
visitei a mãe no sábado
ela estava a chorar
eu estava a chorar também
nada me ameaçava
mas ainda assim eu estava ansiosa
uma colher feita de zimbro
um serviço de chá com um bule e duas pequenas chávenas
três das cinco pulseiras bielorrussas
e uma bandeira
encosta-te para trás, não há razão para ter pressa
estava verde e calor lá fora
um pouco nublado
não há bandidos bielorrussos em nenhuma parte da cidade
tão surreal
olhei para o teto durante uma hora
…agora está pendurado na parede
um pote de mel de castanha
tem um cheiro a flores e tem um sabor algo amargo
uma loja khachapuri perto de casa
o dono da loja é da Ossétia
ouvi-o a dizer palavras bielorrussas khalera e dobra
um leve e agradável cheiro a primavera
que eu não tinha notado antes
deitei-me e dormi até acordar
leio livros que há muito tempo queria ler
os meus amigos estão vivos e não estão na prisão…
tantas alegrias
sinto falta da hipotética Bielorrússia
os jovens nas ruas a dançar uma espécie de dryhula
há muitos cães e gatos nas ruas
na última vez
vi mendigos em Minsk
talvez há dez anos atrás
estão exatamente onde os animais estão
vou-me embora, vou desertar
é difícil prever o futuro
mas posso voltar da mesma forma que me fui embora
quase nunca reparo nos meus sonhos
apenas acordo e não me lembro deles
aqui está uma coisa interessante
sonhei com coisas horríveis
mas que sonhos vi eu na Bielorrússia?
mando-vos abraços!
NASTA
eles estavam à minha procura
percebi
tinha de ser
enquanto houvessem outras pessoas
com quem eu pudesse ir embora
de carro
eu estava a olhar pela janela
a sentir-me um pouco enjoada
pois sim, bolha
eu precisava de ir para o mar
para andar à beira da água
a um quilómetro da cabana
na floresta…
um guarda de fronteira
gritou-me e
apenas me devolveu o passaporte
bolha,
sei que não me virão buscar
e eu simplesmente não voltarei
percebi
perdi tudo
não tenho mais nada…
10 de dezembro
os meus dedos estavam gelados
quando eu estava a fumar
bolha,
levei um livro comigo
caminhei ao longo do mar
e gritei pelo nome
Sarmácia!..
bolha,
gosto tanto da Bielorrússia e fiz tudo o que pude…
a floresta cheirava a floresta
a costa não cheirava a mar
eles não me virão buscar
preciso de chorar
andar na floresta
e os meus dedos estão gelados
como continuar a viver,
bolha?
comecei a ver tiktoks
a colecionar pratos de vários tons de verde
velas lilases e cor-de-rosa
desisti da ideia de
sacrifício próprio na praça
preciso de chorar
como continuar a viver
gaivotas gritaram
alguma água entrou nas minhas botas
esta nova experiência é uma bolha
paz e beleza
estrelas lindas
escadas muito íngremes
muito escuro
velha Riga
com uma janela aberta
só um mês depois é que viria a conseguir desfazer-me em lágrimas
NADZEYA
primeiro dia de votação antecipada
um amigo é detido
como num sonho de criança
corres e esperas
não ser apanhado
nao tenho resposta para a minha mãe durante 2 horas
disse que ia para Kiev por pouco tempo
talvez tivesse sorte e avistasse o mar…
até janeiro
adiei toda a minha vida
tivemos de voltar para casa
tivemos de voltar para casa
queria muito votar
parecia o empurrão final
e depois tudo iria correr bem
acordas para saber que alguém
foi preso raptado ou espancado novamente
nós acordámos e trabalhámos tempo fora
vai ser diferente para nós
vai ser diferente para nós
são apenas ruas, tudo está vazio para ti
eu acabei por me aceitar, independentemente do lugar
o mar
uma confiança calma na vitória
a ajudar-te a ti também
a estar presente no momento
não voltaremos?
que absurdo
deitei-o fora
pela primeira vez naquele verão, ouvi grilos
voltar agora é o caminho para a prisão
voltar agora é o caminho para a prisão
ainda não está na hora
o Max faz piadas nas suas cartas da prisão
e eu quero chorar
nem consegui despedir-me de ninguém
PALINA
Eu só quero ir para casa
Eu só quero ir para casa
Eu só quero ir para casa
Eu só quero ir para casa
que merda de imigrante
DARYA
durante uma hora
um mês
seis meses
e ainda agora
num autocarro vazio
em raros dias de sol
na chuva torrencial
na verdade
eu continuo a viver
na Bielorrússia, de longe
PS A parte mais tocante da despedida foi quanto
o meu irmão estava preocupado comigo,
nunca fomos tão chegados
antes dos eventos de agosto de 2020…